Nos longínquos anos 90, lembro-me de imaginar (desejar) o teletransporte, carros que voavam, um robot doméstico que me ilibava de tudo o que, na altura (e agora!), me maçava. Mas não. Pelo contrário. Ainda andamos a ensinar as pessoas a lavar as mãos.
O que eu nunca imaginei foi isto: um verdadeiro cenário de filme pós-apocalíptico adaptado à realidade. As maiores cidades da Ásia estão desertas, vêem-se corridas desenfreadas aos supermercados para, depois, se confinarem as pessoas a quatro paredes e os pivots de televisão alertar-nos para o perigo que já é perfeitamente palpável.
A cada dia as restrições aumentam e o drama coletivo também.
Somos os primeiros humanos a viver uma pandemia na era da informação.
Em alturas de crise, é normal que o nosso instinto de sobrevivência fale mais alto, que o medo se sobreponha à razão, que o nosso pânico do escuro e dos fantasmas assuma contornos que nós nem sabíamos existir.
Posso falar-vos por mim: nunca fiz compras em quantidade. Gosto de ir à mercearia do bairro várias vezes por semana e, cá em casa, nem sequer temos refeições congeladas, sejam compradas ou caseiras. Também nunca fiz um planeamento de refeições: gosto de abrir o frigorífico e fazer o que me (nos) apetece.
No passado sábado, apesar de já ter feito compras online a pensar nos próximos dias, passei por um supermercado pequeno, vazio, e não resisti. Entrei. Reabasteci-me de cereais, fruta fresca e legumes. Como sabem, não como carne há quase dois anos, pelo que, para mim, é fundamental ter essa gaveta do frigorífico com variedade. Mas não só para mim. Abundância sempre foi sinónimo de conforto.
Assim, no que à alimentação diz respeito, tendo em conta a incógnita que é o futuro (que é o próprio dia de hoje!), importam, acima de tudo, duas coisas:
1) alimentarmo-nos de forma equilibrada;
2) usar com consciência e moderação os alimentos que temos em casa.
Se a carne faz parte do teu dia-a-dia, talvez seja uma boa altura para moderar o consumo. Verás que um prato de feijão, arroz e espinafres congelados em alternativa à proteína animal é igualmente saciante.
Feijão enlatado ou em frasco de todos os tipos, grão-de~bico, favas, ervilhas, lentilhas verdes e vermelhas são excelentes fontes de proteína vegetal.
Latas de salsichas com arroz matam a fome, mas não trazem o aporte vitamínico que o nosso organismo precisa.
Nesta altura, é especialmente importante reforçar o sistema imunitário. Sendo que não cura o vírus, uma boa alimentação torna-nos mais saudáveis e resistentes a esta ou outras patologias.
Compra e cozinha em consciência e não faças compras por impulso ou como reação à ansiedade.
Aqui fica uma lista rica e variada, elaborada em conjunto com a nutricionista Catarina Trindade, para usar da próxima vez que fores ao supermercado.
LISTA DE COMPRAS – ESSENCIAIS PARA A QUARENTENA
FRESCOS
Frutas: Maçãs e pêras (porque se aguentam bem); Laranjas, tangerinas, kiwis e limão (boas fontes de vitamina C); frutos vermelhos (frescos ou congelados – pelas suas propriedades antioxidantes); Bananas (é um alimento de curta durabilidade, pelo que pode optar por comer nos primeiros dias. Quando estiverem menos próprias para consumo, põe as mãos na massa e aproveita para fazer um pão de banana!).
Legumes: Cenouras, beterraba, abóbora (vitamina C), couve lombarda, alho-francês, brócolos, beringela, nabos (todos têm grande durabilidade). Alho e cebolas; Saladas ou legumes embalados (como espinafres, rúcula, couve portuguesa);
Carne e peixe (se comprares em quantidade, congela em porções avulsas que a tua família consome habitualmente).
SECOS
Azeite
Polpa de tomate ou tomate enlatado
Sal
Bolachas (em caso de emergência)
Açúcar amarelo
Mel
Enlatados: atum em azeite, cavalas, sardinhas; e leguminosas como: feijão (de todos os tipos), grão-de-bico, lentilhas. Além de serem ricas em fibra, são um acompanhamento de elevada qualidade.
Frutos secos (nozes e amêndoas, por exemplo)
Ervas aromáticas/temperos: orégãos, manjericão, curcuma, louro, caril, pimenta preta. É também uma boa altura para fazer uma pequena horta de aromáticas. Vais ter tempo para isso!
Aveia (os flocos finos são, eventualmente mais versáteis: servem tanto para papas como para panquecas, bolachas ou bolos);
Arroz
Massa
Couscous
Farinha
Fermento seco ou fermento fresco (para os dias de pão e pizza caseira)
Café
CONGELADOS
Peixe (pescada, salmão, bacalhau, polvo);
Legumes congelados (mantêm as propriedades e, ao mesmo tempo, conservam-se melhor): ervilhas, grelos, favas, espinafres, feijão-verde;
Frutos congelados (para batidos, gelados…);
Refeições pré-cozinhadas (por exemplo, nuggets com alta percentagem de frango ou douradinhos de peixe).
LACTICÍNIOS E DERIVADOS
Ovos – aproveita a validade alargada de receitas para cozinhares pratos salgados e doces;
Manteiga;
Queijo – curado com maior validade ou queijo flamengo fatiado;
Iogurtes naturais e de aromas com sabores diferentes – ninguém aprecia a monotonia;
Leite ou bebidas vegetais.
CRIANÇAS
Cereais (corn flakes sem açúcar, espelta tufada);
Purés de fruta de diferentes sabores;
Papa de cereais/flocos – Nestum mel 0% é a nossa solução de recurso. É uma opção com grande validade e com alguns nutrientes.
ANIMAIS
Tens cães, gatos, canários, porquinhos da índia, tartarugas ou peixes?
Não te esqueças dos teus animais de estimação.
OUTROS Detergentes (louça e limpeza da casa); Pastilhas para a máquina da louça; Sacos do lixo; Papel vegetal (vais precisar para os bolos e tartes!)/película aderente (caso uses).
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É uma fase de tensão para todos, pelo que podemos aceder a algumas vontades menos saudáveis que possam surgir, tentando sempre que sejam coisas que possamos fazer nós, em vez de atacarmos nos produtos processados como chocolates, batatas fritas ou bolachas.
Lembras-te daquele bolo mármore que nunca fizeste porque o tempo não estica para tudo? Ou das panquecas com que gostarias de começar as tuas manhãs? É a altura ideal para isso. Leva os miúdos para a cozinha e, por favor, diverte-te.
No próximo post, vou deixar-te algumas receitas doces e salgadas para fazeres durante a quarentena (e não só!).
Para já, todos os dias tenho publicado receitas nas stories do meu Instagram: @anachaves.
Se te sentires inspirada/o e as replicar, identifica-me que eu vou adorar ver.
Por fim, uma nota que me parece importante, embora nada tenha que ver com alimentação: quando estamos dentro de casa, a nossa casa é o nosso mundo – e aquilo que deixamos entrar. Tudo ganha uma dimensão avassaladora e até as coisas mais insignificantes tomam conta de nós.
Por favor, procura e acompanha informação apenas veiculada por canais/plataformas fidedignas. Sê exigente. Não espalhes o pânico, que de nada serve. Protege-te e protege os outros.
Texto escrito em colaboração com a Catarina Trindade – nutricionista